segunda-feira, 7 de março de 2011

Março não é mais o mesmo


Por Andréa Morais
O trecho da música Águas de Março, de Tom Jobim: “São as águas de março fechando o verão”, durante muito tempo, retratou os desastres naturais, que ocorriam no fim do verão, no temido mês de março. As previsões feitas pelo músico aconteceram na região serrana do Rio de Janeiro, no primeiro mês deste ano: “É pau, é pedra, é o fim do caminho (...) É a noite, é a morte”, dizia o compositor, nos trechos da música. Especialistas acreditam que levará anos para reestruturar todos os bairros das cidades atingidas pela sequência de fatores climáticos e fenômenos naturais, somado a urbanização desorganizada. No mesmo mês do ano anterior, o estrago ocorreu, em Angra dos Reis, na região da costa verde. Em novembro de 2008, o deslizamento de terras causou danos, em Santa Catarina. Esses desastres, nos mostram, que as águas deixaram  de causar prejuízos, somente em março. Ela está presente o ano todo, devastando diversas cidades em várias regiões do Brasil e do mundo, conforme podemos acompanhar nas notícias exibidas em todas as mídias. Um outro desastre natural ocorrido em abril de 2010, não deixou mortos, mas houve uma avaria da Praia do Forte, em Cabo Frio (RJ), pela ressaca que destruiu o calçadão e diminuiu a faixa de areia.  Fato que, também, já ocorreu diversas vezes, em várias praias do litoral brasileiro. Algumas foram engolidas pelo mar, como Atafona (RJ) e Jaboatão (PE), entre outras praias e lugarejos, por todo o mundo.
Foto de Andréa Morais
Praia do Forte, antes da ressaca    



Ressaca na Praia do Forte
No mês que vem faz um ano, que a ressaca destruiu o calçadão da Praia do Forte, em Cabo Frio. A união do governo municipal ao estadual, possibilitou a reconstrução da nova orla , e oito meses após o estrago a reinauguração aconteceu, com show de Toquinho, mesmo na chuva, fazendo a abertura do Natal na cidade. A recuperação da beira mar presenteou aos cabofrienses e aos turistas, com paisagismo, áreas de lazer e arborização, além de homenagear o vento da região, com uma rosa-dos-ventos desenhada no chão. A prevenção ficou por conta do plantio de árvores nativas, como a aroeira, a pitangueira, o araçá, a gabiroba, a crúzea e também, com as bromélias e grama, por toda a orla. Segundo, o então superintendente do Departamento de Projetos da Coordenadoria de Planejamento, Felipe Araújo, as plantas, além de ornamentar, são utilizadas para conter o material, no caso de chuvas fortes: “A grama serve como uma tela”, explicou.
Foto de Cristiane Zotich
Ressaca na Praia do Forte , em abril de 2010
Preocupada com o possível desaparecimento da Praia do Forte, conversei com especialistas no assunto, para tentar entender o que aconteceu e saber se existe o risco dela deixar de existir. Para o Dr. David Zee, Coordenador do Mestrado em Meio Ambiente, da Universidade Veiga de Almeida (UVA), a invasão do mar em Cabo Frio tem alguma relação com as mudanças climáticas: “Apesar de não ter realizado estudos específicos, existem algumas evidências. Uma delas é que não é um caso isolado da região, mas que 'pipoca' em inúmeras outras localidades do litoral fluminense e brasileiro, para não dizer mundialmente”. Concluiu. Quanto à causa da ressaca estar relacionada ao fenômeno El Niño, tanto Zee, quanto o Me. Eduardo Pimenta, Coordenador do curso de Gestão Ambiental da UVA,concordam em dizer que sim. Segundo Pimenta,  as mudanças climáticas existem. Mas, será perceptível em longo prazo e em doses homeopáticas: “Acredito estar mais associado ao fenômeno El Niño, que acontece entre oito e doze anos, no Pacífico, trazendo consequências como essas”, diz, informando ser tese de doutorado defendida em 2010 -Ao falar de El Niño (alteração na temperatura do pacífico, que fica ligeiramente mais elevada e é suficiente para trazer inundações, ressacas intensas, tufões, furacões, ciclones em outras áreas de outros continentes e até de outros oceanos). Lembrei da ressurgência, presente na região, e na minha ignorância perguntei: “Esse fenômeno tem alguma coisa a ver com a ressaca na Praia do Forte?”. Pimenta, prontamente me respondeu: “Não, nada a ver. A ressurgência é um fenômeno de subida de águas profundas, trazendo nutrientes que dão produtividade marinha. Está sempre associada à muito peixe. É uma água fria que vem por baixo da Patagônia e aflora aqui em Arraial do Cabo”, explicou –Ao menos, a pergunta valeu para todos saberem o que é a, tão falada, ressurgência.  
Foto de Cristiane Zotich
Ressaca destrói a construção da orla   

Causas deste cenário
Para o ambientalista, Arnaldo Villa Nova, a alteração climática aliada à ocupação das Dunas, são as causas relacionadas à ressaca que destruiu a orla da Praia do Forte. Zee concorda com Villa Nova sobre a destruição da vegetação de restinga e das Dunas, e vai além, com uma lista das principais causas para o cenário de devastação: “O uso do solo, desrespeitando as áreas de alta fragilidade ambiental ou mesmo de importantes funções de acomodação climática; o dimensionamento inadequado de estruturas litorâneas e de edificações, ignorando as condicionantes ambientais, bem como os principais parâmetros que governam as cargas ambientais sobre as estruturas e a falta de monitoramento que acompanhe a evolução do cenário climático local e de suas consequências, o que redunda numa ausência de medidas preventivas”. Pimenta, também, menciona o fato da urbanização na área ser um dos motivos para a destruição da ressaca: “Antigamente, a praia se mexia e a vegetação era destruída e depois era recuperada, agora não. O que acontece é que a gente engessa, na medida em que coloca postes, faz o arruamento. E na hora em que vem uma quantidade de onda muito intensa e lança toda a energia na areia, a praia se mexe e quando ela se mexe, ela racha a calçada, arranca o poste, derruba o quiosque e tudo que foi indevidamente colocado nesse espaço”, exemplificou -Já, que todos mencionaram o urbanismo, como uma das causas da destruição. Assim como, também é lembrado por especialistas, em outros desastres naturais. Quis saber qual o limite ideal para respeitar o movimento da praia? “É uma pergunta difícil. Se formos compreender todos esses limites, a gente vai ver que em Ipanema, Copacabana, Barra da Tijuca, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Macaé, Búzios, Quissamã... Está tudo em cima de área de restinga, área litorânea, muito próximo da praia. O afastamento adequado ideal seria de 150 a 200 metros, dependendo de cada área”, informou Pimenta. A nova construção foi observada por Gustavo Henrique Franco,surfista e professor de Educação física, morador de Belo Horizonte e freqüentador de Cabo Frio, há pelo menos vinte anos:  “Ao invés de construir o calçadão para longe, colocou mais perto da praia. Acredito, que assim que vier outra ressaca ficará mais fácil de ser destruído”, mencionou Gustavo. Fato, também notado por Pimenta: “Essa nova obra, ao invés de manter o espaço que ela tinha ocupado, invadiu pelo menos uns 30 metros a mais e o mar em uma próxima ressaca como essa, vai cobrar de novo aquilo ali”, afirmou. Pimenta explica também, que a Praia do Forte é um cartão postal da cidade: “Na verdade, o homem está garantindo um espaço construído por ele, de um cenário que é importante, como gerador de emprego e de renda. Ou você desapropria tudo e devolve o quarteirão inteiro como área devolvida ao ambiente, que foi suprimido pelo modelo de desenvolvimento urbano, ou você ajusta. E é o que está sendo feito”. Pimenta, ainda, comparou a obra à dragagem da Lagoa de Araruama: “Nunca mais pode parar de dragar a Lagoa, porque se não ela vai assorear novamente, como é no Jardim de Alah, que liga a Lagoa Rodrigo de Freitas com o oceano”.
Foto de Andréa Morais
Reconstrução do calçadão, em novembro de 2010
Retorno da faixa de areia
De acordo com David Zee e Eduardo Pimenta, a questão da retração da Praia do Forte acontecerá normalmente. Porque, durante os meses de inverno, o mar é mais agressivo e avança em direção ao continente, fazendo um ciclo natural, de diminuição da faixa de areia da praia. Isso acontece de abril a setembro, quando o mar retira a areia da praia. Nos meses de outubro a abril, acontece o inverso, o chamado ciclo de verão, de aumento da faixa marginal, quando ele devolve a areia. Pimenta ressaltou que é preciso considerar que nada é igual o tempo inteiro, inclusive a praia: “A praia que, aparentemente parece ser estática, é um sistema muito dinâmico. O mar está sempre, levando e trazendo areia e ela está sempre se movimentando, apesar de ser imperceptível”, observou. Segundo Pimenta, a faixa de areia deve voltar no máximo, em abril. Depois, no inverno, vai recolher um pouquinho e voltar mais, na próxima primavera/verão. “Isso, se a gente não tiver uma ressaca tão intensa no ano que vem, novamente. O que, acredito que não tenhamos, por conta dessas séries de grandes ressacas acontecerem de oito a doze anos. Mas, nunca volta igual”, concluiu. Para os surfistas, o mar está bom assim.O surfista Gustavo Franco está gostando da atual formação da Praia do Forte: “É muito bom para aprender porque a onda é longe da praia e facilita a prática do surf”, elogiou. De acordo com Pimenta, as ondas se formam mais distante da praia, por causa da formação de banco de areia. “As ondas não batem mais onde batiam, elas estão ganhando força um pouco mais lá fora, até acomodar tudo novamente”, informou.
Foto de Andréa Morais
Praia do Forte, continua, sendo uma boa opção para os surfistas e banhistas
Pensar no futuro
Conforme Pimenta, o aquecimento global é prova das mudanças climáticas: “Agora, nós temos primavera no inverno, um verão antecipado, acontecendo na própria primavera. Os lugares quentes têm estado mais quentes, enquanto os mais frios têm estado mais frios. Esses extremos estão se revelando maximizados. A medição está sendo feita e tem se comprovado, porque, esse efeito estufa tem sido acelerado pela emissão de gazes e acaba maximizando esse processo de aquecimento global. Com o aumento da temperatura, as calotas polares degelam e inundam as partes baixas do planeta; muda o clima, a agricultura, muda bastante coisa. O aquecimento global é uma realidade, ele está acontecendo, mas a terra já aqueceu e já resfriou várias outras vezes. No nosso período de vida, a gente acelera o processo.Ou a gente vai continuar mantendo a aceleração desse processo e vamos sofrer as consequências; ou vamos minimizar e vamos nos adaptar a um novo modelo de desenvolvimento, que respeite o sistema, os seus limites e as pessoas envolvidas nesse ecossistema. Ou o planeta, o ambiente, a terra vai acabar com a gente, como já acabou com os dinossauros e outras espécies que foram tão imponentes quanto a nossa”, orientou. Segundo Villa Nova, o desenvolvimento de mecanismos é a decisão correta para conter as mudanças climáticas. “É preciso desenvolver mecanismo para diminuir o impacto decorrente das alterações climáticas extremas, que venham ocorrer em nosso meio”, sugeriu. Enquanto Zee, acredita que respeitar o equilíbrio natural que foi promovido ao longo dos tempos é a solução para os problemas ambientais: “Devemos aprender com os benefícios ambientais oferecidos pela natureza local e usá-los para integrar melhor o nosso ambiente urbano artificial com o ambiente natural que nos cerca”, lembrou. Zee, é ainda mais enfático, ao mencionar algumas atitudes práticas necessárias para manter o equilíbrio ambiental: “Resguardar a vegetação de restinga que consolida os sedimentos da praia; proteger as dunas, saber onde podemos ou não podemos assentar as nossas edificações; não pisotear ou andar de bugre sobre a vegetação de praia e dunas; promover a gestão do transporte de sedimentos na praia; revitalizar os pontos de fragilidade e ou de feridas das praias; permitir e cobrar o custo ambiental do uso sustentável das Áreas de Proteção Ambiental (APA's), revertendo os recursos no próprio local; promover, urgentemente, o monitoramento da evolução das causas e das consequência dos acidentes ambientais em Cabo Frio, para poder formular medidas de adaptação e preventivas.
Foto de Andréa Morais
A faixa de areia voltará aos poucos

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo prêmio.Muito oportuna a escolha do tema, realmente, a mudança climática é uma realidade que temos de encarar de maneira muito mais séria do que tem sido por todos nós.

ana catarina morais habib

Arnaldo disse...

Parabéns. Divulgar informação correta e fazer alerta é importante. Oxalá os administradores leiam, ouçam os alertas e se conscientizem na importância de preservar espaços de domínio das águas.
Arnaldo Villa Nova
Ong Viva Lagoa